domingo, 26 de abril de 2009

Ai que saudade!


— Joana! Joaaaana!
— Já vou Anselmo. Você não pode esperar um pouco?
Virando-se para a amiga que se equilibrava em cima de uma pilha de tijolos, do outro lado do muro, baixando a voz, segredou:
— Agora o Anselmo o deu pra isso. Não pode ficar muito tempo longe de mim. E sabe da maior Edwirges?
— Como é que poderia saber?
— Isso começou depois do segundo apagão.
As duas amigas moram no bairro Maria e foram vítimas do apagão não anunciado da última segunda feira, aliás, o segundo apagão não anunciado e, tampouco, explicado pela digníssima Elektro.
Para os mais velhos isso não representa nenhuma novidade, pois quem conviveu com a S.A. Centrais Elétricas de Rio Claro sabe o que é um apagão.
Naquele tempo a ineficiência da “Central Elétrica” foi tanta que os ararenses se cotizaram para criar a “Termoelétrica”.
— Começou com o segundo apagão Joana?
— Exatamente. Foi “um tal” de procurar vela “por cá e acolá”.
— Fazia tanto tempo que não eram usadas. Procura que procura e nada de achar a vela. Na escuridão acabamos eu e o Anselmo dando uma trombada. A minha testa bateu em cheio no nariz do coitado. Ele gemeu alto e a sua respiração ficou acelerada e forte.
— Com o susto eu, também, fiquei com a respiração acelerada e forte. Tentando acudi-lo e já me desculpando pela testada no nariz, nós nos aproximamos e...
— O que aconteceu Joana?
— Acabamos fazendo amor no meio da sala, no chão, no escuro, como nunca tínhamos feito antes.
— Agora o homem me chama a toda a hora, Edwirges. Eu até voltei a usar a pílula, pra não dar sopa às surpresas.
— Meu Deus! Que romântico. Ah se o Eurico fizesse isso comigo.
— Com certeza vai haver outros apagões, aproveite, não fique esperando cair do Céu, Edwirges.
— Já pensou se o Cine Santa Helena voltar a funcionar pra gente namorar no escurinho do cinema, Joana?
— Não precisa exagerar né Edwirges. Fazendo ou não fazendo amor, a gente precisa não esquecer que, os apagões sem explicações precisam acabar. Nós somos consumidores que pagamos, e bem, pelo fornecimento de energia e merecemos, no mínimo, respeito por parte da Elektro.
— Me deixa ver o que o Anselmo está querendo, Tchau Edwirges.
— Tchau, Joana, capricha hem!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Amar ao Próximo


O nosso senhor foi para a cama pensando naquilo que havia visto na televisão.
ºººO que seria aquilo que a mãe daqueles garotos havia dado para eles comerem. Com certeza era algum tipo de palha, pois não matou a fome dos coitados. Ou seria aquela planta que mais parece uma orelha cheia de espinhos. Pelo que eu sei - prosseguia pensando - aquela planta serve para benzimentos, principalmente, da coluna vertebral, esporões, bicos de papagaio, etc. Muita gente já foi curada pelo benzimento, mas matar a fome nunca havia escutado falar.
ºººA última vez que desconfiei da televisão foi quando da primeira viagem do homem à Lua. Tá certo que depois tive de aceitar, mas caramba será que a gente é obrigada a acreditar em tudo?
Aos poucos um aquecimento gostoso tomou conta de seu corpo e ele caiu nos braços de Morfeu. Dormiu o sono daqueles, cujo estômago cheio, não deixava saber, nem de perto, o que era passar fome. Não ter o que comer.
Contudo, não há ignorância, por mais enraizada que esteja que dure a eternidade.
De repente ele se viu em pleno sertão nordestino. Umas plantas que se assemelhavam ao cacto, com alguns daqueles braços espinhosos cortados, desafiando o Sol e a poeira. Esticou o pescoço e ao longe viu uma casinha com a chaminé soltando fumaça.
Olhou para os seus pés e estranhou as sandálias de couro esbranquiçado, um tanto velhas e passou o dedo entre um nó e a sua pele para aliviar a pressão que já começava a doer. Começou a andar em direção à casa. Sua mente estava vazia e apenas uma força estranha o impelia naquela direção.
Já se avizinhava do cercado e começou a ouvir o choro de criança, no princípio longe, mas a medida que se aproximava, era estridente e incomodava.
— O boa tarde saiu da profundeza de sua alma sem que ele fizesse força para cumprimentar a senhora, sentada à sombra da pingadeira do telhado.
— Como boa tarde, moço? – respondeu perguntando a senhora com cara de poucos amigos – e continuando:
— Há duas semanas que os meus filhos estão comendo o pão que o diabo amassou, isto é, se tivessem o pão que o diabo amassou para comer até que seria uma boa, estão comendo é casca desta planta espinhenta, nem mesmo cozinhá-las posso, não há água. Eu já estou pensando seriamente em começar a comer os calangos e escorpiões que passarem por aqui.
Ao ouvir a mulher, tomou um choque e aquele marasmo mental se desfez. Pensou:
ºººMas então era verdade aquilo que vira na televisão.
Uma voz grave e bem timbrada, daquelas usadas para gravar trechos da bíblia, vindo não se sabe de onde, disse-lhe:
— Mas é claro brasileiro. Será que você nunca vai abrir estes teus olhos que a terra vai comer?
Uma friagem subiu dos calcanhares até a parte mais sensível e ele começou a suar frio, apesar do calor.
O Nosso senhor era um homem pertencente à classe média do Estado de São Paulo e era um homem que se orgulhava da sua inteligência, mesmo que de vez em quando ela o levasse a duvidar das noticias da televisão.
Soltou um suspiro e entrou em transe.
Na sua mente passou os nomes da Sudene, Sudam. Os benefícios que para os que iam pagar imposto de renda. Lembrou-se dos homens ricos daquela região, sem nunca terem uma produção para creditar o aumento da riqueza.
Lembrou-se, também, das campanhas, inúmeras, para angariar alimentos para os nossos irmãos do nordeste. A raiva subiu em seu rosto, quando em sua mente desfilou um cem número de vezes que o governo dizia estar mandando dinheiro para acabar com a seca.
O fato, no entanto, é que em mais uma viagem astral, ele acabara de ver como os seus olhos que esta terra vai comer a miséria em que está mergulhado o nosso nordeste brasileiro.
Aquele casebre que visitara era apenas o exemplo de uma imensidão de outros onde a mãe, pai e filhos, estão passando fome.
As noticias de saques para buscar nos armazéns a comida para matar a fome eram verdades. Ele que no princípio condenara, agora não podia mais fazê-lo.
Não enquanto os espertos senhores, coronéis, políticos e latifundiários, lá daquelas bandas continuarem tendo acesso à água, ao arroz, ao feijão, à carne e ao conforto, em detrimento destes escravos, que recebem o mais duro castigo – passar fome – apesar de toda a boa vontade de trabalhar.
O nosso senhor pensou mais profundamente:
ºººComo um governo legalmente constituído, pode permitir que isto aconteça. É claro que a culpa não é só deste governo. Todos os outros anteriores deviam ser chamados a prestar contas do que fizeram para tirar o nordeste desta situação. Para onde foram as remessas dos valores que foram destinados para este fim. Acho que o certo é dizer: Com quem está o dinheiro.
Acho difícil achar, mas, com certeza, uma grande parte está nas avenidas à beira mar no Rio de Janeiro e em algumas mansões em Miami.
A indústria da seca tem que acabar, não é justo tantas crianças passarem fome e poucos, com os bolsos recheados, estarem estudando na França.
Para isto é necessário apenas um governo cuja moralidade seja o seu lema.
Dizer-se moral, é muito fácil, a necessidade é transformar a moralidade em atos morais, o que já é mais difícil. Nada, no entanto, que seja para super homens, apenas amar o próximo e a coragem são indispensáveis.
O nosso senhor estava ofegante, apesar de só ter pensado. Levantou os seus olhos e viu no horizonte o sol nascendo. Beleza indescritível. Um leve tremor marcou a volta do seu espírito ao corpo. Ele acordou e o silêncio fez-lhe companhia. Chorou silenciosamente para não acordar a esposa, pois no outro dia, pela manhã, ela iria trabalhar.
Graças a Deus ela tem um emprego




Arraial da alegria


Julho de 2001

A vida continua, sempre.

As palmas insistentes, quase de cobrador, chamaram a minha atenção.
Enfiei a cara pela janela e atendi:
— Pois não!
— Seu Vernil vai querer verduras hoje?
— Hoje não. Muito obrigado. Passe outro dia.
— O cheiro verde está muito bonito.
— A mulher saiu e só ela resolve este assunto. Obrigado.
O homem da verdura deu meia volta e saiu em direção à casa do meu vizinho.
Aproveitando o esforço feito para sair à janela, estiquei o momento lançando meu olhar para o mini jardim de minha casa.
A rosa pequena de cor rosa estava despetalada. Era a inequívoca mostra da ação do tempo.
A matéria não é eterna. Vive reciclando-se, formando-se, reformando-se e mais uma vez transformando-se..., cada vez mais forte e bela, sob as leis do Criador.
Fechei os olhos e agradeci a Deus pelo meu corpo, pela minha vida e tudo.
A pontada na barriga da perna me trouxe de volta à realidade e à lembrança da Festa Junina do IDE, no dia 30 de junho.
Poucas vezes a gente tem oportunidade igual a daquele sábado.
O sanfoneiro e o tecladista, que compunham o conjunto musical, rasgaram os ares com velhas, conhecidas e desconhecidas modas, animando o baile. O chapéu e a vassoura propiciaram as mudanças de pares que embalados nas saudades de uns e no vigor físico de outros, viveram momentos de alegria.
Houve momentos divinos, como no momento em que eu dançava com exímia dançarina.
Acredito que por caridade ela colocou um sorriso em seus lábios e me cumprimentou:
—— Puxa como o senhor dança bem!
Mal sabia ela que eu tinha plena consciência de que os meus grandes pés, insistentemente, tomavam o caminho da direita quando o certo era rumar para a esquerda. Que Deus a abençoe pela paciência.
A sorte é que a mescla entre jovens e mais antigos deram nome ao baile: Festa Junina.
Se fossem só jovens o Baile teria o seguinte nome: Baile dos adolescentes!
Se fossem só mais antigos teria o nome de: Baile do desmanche!
Aliás, gostaria de saber o estado físico daquele senhor de barbicha. Pulou tanto, tanto, que deve ter passado o domingo na salmoura.
Na verdade o nome do Baile pouco valor acrescentaria ao evento, que aconteceu singelo.
O ponto alto, no entanto, foram os quitutes oferecidos. Louvor para um “Cuscuz”, apesar da pimenta, que, infelizmente, foi o primeiro a acabar.
O quentão (sem pinga, ou seja, chatão) e o chocolate quente garantiram a temperatura da festa.
Além disso, a festa serviu para alertar os jogadores de tênis, da necessidade de praticarem outros esportes para não sofrer de dor na batata da perna, por causa de uma sambadinha na festa junina.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

A Fé e o passar do Tempo

A quaresma, hoje em dia, já não é a mesma daquele tempo.

Naquele tempo o Inferno era um lugar mais conhecido e, com certeza, muitos dos meus amigos e eu próprio, já nos sentíamos definitivamente instalados, mais dia menos dia, entre os caldeirões de óleo fervente que, por certo, haveriam de nos cozinhar eternamente.

Passaram se os anos e, apesar de todas as intimidações, estamos, todos nós, ainda, convivendo com os mais santos que estavam destinados a lugares menos agressivos, tais como o Purgatório e o Céu.

Agora, cientes das coisas da vida, raciocinamos se valeram alguma coisa tantas horas de bater a matraca em volta da Matriz.

Pode até não ter valido a pena, mas a tarefa tinha os seus fascínios.

Assim como, o Lava Pés, o Sermão das Sete Palavras, a Procissão do Enterro e a Procissão do Encontro que, me lembro, proporcionou-me assistir o mais belo de todos os amanheceres que vi em toda a minha vida.

A experiência manda que a análise seja feita baseada naquilo em que acreditávamos.

Neste caso, cada ato, cada oração, valeu a pena.

A fé robusteceu os nossos espíritos e hoje somos o que somos graças a formação que tivemos, de muito respeito, às coisas divinas.

Hoje acreditamos em coisas que sendo diferentes, não são tão diferentes, pois, ainda, são baseadas na Fé que nos diz que cada um de nós é o retrato das nossas obras.

E, assim, trazemos dentro de nós o próprio Céu, o Purgatório, ou o Inferno, de conformidade com as nossas atitudes.

Hoje vangloriamos as verdades e a lógica e, por certo, só fazemos isso porque em nós havia espaços criados pela Fé de antigamente, que se não são baseadas nas verdades que hoje defendemos, começou a ser instalada a partir da nossa crença em Deus e no respeito pelo Evangelho de Jesus.

Assim, não creio que haja conflito entre a nossa Fé de ontem e a nossa Fé de hoje. Entre as duas apenas um interregno de tempo e um tomar ciência da realidade acompanhada da experiência de vida de cada um.

Acreditar em Deus, viver segundo o Evangelho que Jesus nos trouxe a nossa progressão espiritual, vista do nosso bom proceder que nos coloca mais perto da sabedoria.

Tanto melhor que não haja Inferno para onde nos mandem.

Mas, toda a atenção é pouca, para não criarmos o nosso Inferno particular, que se não é eterno é tão ruim ou pior, pois que não há Infernos que não sejam ruins.

Parta tanto a receita é: Amarmos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.