sábado, 23 de maio de 2009

As mães se entendem


Mais uma vez o espírito, após ele ferrar no sono, estava fazendo uma visita ao nordeste brasileiro.
Viu aquela mãe, magra, com o rosto queimado pelo sol, escondendo os cabelos sem penteado, num lenço surrado e sujo.
Viu o mingau que ela acabara de fazer com algumas folhas de plantas, desconhecidas dele, engrossado com farinha na água salobra e, ao mesmo tempo, conseguia ler os pensamentos dela.
ººº Será que isto vai ser o suficiente para matar a fome do meu filho. Eu avisei ao Raimundo que os mantimentos não iam dar até que ele voltasse. Homem teimoso meu Deus do Céu. Agora fico eu com fome e o coitado do nosso filho ter que engolir este caldo. Bem, é o que temos, confiemos na providência divina.
Ele lendo estes pensamentos, lembrou-se que no jantar daquela noite, ele fizera cara feia para umas batatas que não estavam macias como ele gostava, quando cozidas inteiras e, reclamando com a sua mulher, acabou por jogá-las no lixo. Se ele pudesse iria buscá-las para entregar àquela mãe.
Continuou lendo os pensamentos da mulher.
ººº Graças a Deus somos todos fortes e com saúde. Com certeza nós vamos agüentar. Raimundo há de arrumar algum serviço para fazer e, quando menos a gente esperar, ele aparece com comida para todos nós.
ºººJá passamos por situações piores e agüentamos. Depois se o Coronel não se esquecer das promessas que fez, de ajudar a gente conseguir furar um poço profundo para não mais faltar água vamos ficar muito bem.
ºººQuando é que o dinheiro vindo do governo iria chegar e acabar com esta miséria. O coronel disse que isso demora um pouco. Enquanto isso vamos tocando a vida.
Caso o seu espírito olhasse num espelho àquela hora veria o seu rosto rubro de raiva. Onde já se viu manter estas criaturas humildes, trabalhadoras e tão puras com estas promessas. Se a memória não estivesse falhando, isto era papo de mais de 30 anos atrás. O governo cansou de tirar dinheiro dos impostos pagos, principalmente pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, exatamente para que em todo o nordeste tivesse um pouco de água. Mas, as notícias que ele tinha era a de que faltava água em todo o nordeste. Soltou o ar dos pulmões e disse para si:
— Bem não vamos começar a tratar deste assunto outra vez.
Imediatamente à sua fala, como que por encanto, um clarão atravessou o telhado mal feito do casebre do nordeste e nele flutuando ele viu a Virgem Santíssima.
A radiosa figura acenou fazendo uma cruz no ar na sua direção e sentiu-se como que enfaixado por algo invisível. A virgem sorriu e foi em direção àquela mãe, cujo sofrimento consistia na falta do que dar de comer ao seu filho. Ele fez força para dizer alguma coisa, mas a sua voz ficou presa na garganta e ele não conseguiu emitir nenhum som.
A Santa que deixava um rastro de minúsculas estrelas atrás de si, chegando perto da mãe, esticou as sua mão direita e acariciou-lhe a cabeça. E com voz de indescritível beleza falou:
— Minha filha, o sofrimento que esta experimentando, juntamente com o seu querido filhinho, ninguém pode imaginar o tanto de luz que está fazendo vocês dois ganhar. O prêmio por tal iluminação espiritual é uma casa no Reino de Deus, onde existe, realmente, a felicidade. Não se desespere, mantenha a calma e tudo vai se arranjar. Não se esqueça, porém, minha filha que almejar a felicidade é um direito de todos. Reivindicá-la, sem exacerbações, é um exercício de cidadania do ser humano na Terra. Não se desespere. Os homens aos quais muito foi dado, vão ter prestar contas do uso dos bens, neste mundo mesmo. Caso não seja nesta, com certeza, será numa outra encarnação, em situação igual ou até pior pela qual você está passando. E não fique pensando, que os que com suas omissões permitem os desmandos dos gananciosos, serão poupados. Eles vão colher o que estão semeando. Todos os seres humanos do mundo estão sob as leis de Deus.
A imagem subiu pela mesma luz que a trouxe e deixou naquela casa uma paz que envolveu a mãe e o filho, e, também, o espírito daquele viajante astral.
Aos poucos os seus movimentos foram voltando até que ele pode dizer:
— Graças a Deus.
Ficou mais algum tempo imóvel e se deu conta que nada mais nada menos que a mãe de Jesus estivera ali. As mães se entendem.
Respirou profundamente e com um tremor acentuado acordou e assustou-se com sua esposa sentada na cama, em prantos, repetindo:
— Eu vi a mãe de Jesus!
— Eu vi a mãe de Jesus!
Os seus olhos encheram se de lágrimas, também.

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