quarta-feira, 29 de julho de 2009

A outra

— Bom dia dona Maria.
— Bom dia seu Vernil. Gostei do último artigo que foi publicado. Na verdade as lembranças do passado, dos problemas passados, das atitudes tomadas e da repercussão do fato, permitem que os personagens confiram, redirecionem e aprendam uma lição.
— A senhora tem razão. Aliás, muita gente costuma desdenhar as pessoas que costumam analisar fatos passados, dando a elas o nome de engenheiros de obras prontas, quando na realidade essas analises, tirando, evidentemente, os excessos, levam a um estado de aprendizado.
— Quantas coisas precipitadas e outras sem qualquer utilidade acabamos cometendo nos nossos verdes anos, não é verdade seu Vernil? Sem que percebamos, com o tempo, nossas reações às mesmas ações de antigamente acontecem cheias de soluções e sabedoria. É o resultado da analise de fatos passados direcionando os nossos atos do presente e nos preparando para o futuro.
— Isso mesmo, dona Maria. O grande diferencial está na maneira de se expressar essa sabedoria, conseguida à luz das analises do passado. Uns se expressam com tranqüilidade, sabem colocar a explicação de maneira limpa aos seus companheiros de jornada.
Outros, mais rudes, acabam colocando a sua orientação de maneira abrupta e assustam os companheiros. Porém, qualquer tentativa de repassar experiências, traduzidas na sabedoria de enfrentar os problemas de vivência é, sempre, uma expressão amorosa. Por isso, a grande verdade é que, além daqueles analistas que passam e ensinam as suas experiências, é necessário que os que vão receber essas expressões amorosas, saibam identifica-las.
— É, seu Vernil, isso é muito difícil. Bem, mas se fosse fácil, a vida de todo mundo seria, digamos, uma chatice. O bonito da vida são as suas impedâncias. Desde neném até a idade adulta é um suceder de acontecimentos que enriquecem a sabedoria do homem, principalmente daqueles que, além da evolução natural, se entregam às analises do passado, para melhorar o presente e o futuro.
— No meu caso, por exemplo, dona Maria, depois de levar sabões e mais sabões, antes de fechar a porta ao sair, dou uma derradeira olhada para ver se não ficou nenhuma lâmpada ligada ou bico de gás aceso. Tem dado algum resultado. O problema é que, pensando na morte da bezerra, olho e não vejo. Tome mais sabão.
A minha crença é que vem em meu auxilio: Na outra encarnação, não tem erro, vou ser cem por cento seguro.
— Deus te ouça, homem de Deus.


terça-feira, 21 de julho de 2009

Calor humano

O dia dos namorados passou.

Já não se comemoram o dia dos namorados como antigamente.

Antigamente neste dia as praças da cidade ficavam cheias.

Casais de namorados passeavam de mãos dadas, trocando olhares e promessas de amor eterno.

As lojas, como hoje, ficavam abertas até mais tarde e ficavam cheias de clientes comprando num último esforço financeiro o presente para a outra metade da laranja.

Imaginem, as flores eram as mais escolhidas.

Ramalhetes, rosas solitárias, buquês, ganhavam a companhia de um cartão perfumado com poemas de amor escritos em caligrafia impecável.

O dia dos namorados era o mais escolhido para se ficar noivo.

Era o dia da grande aventura, de encarar o velho e pedir a mão de sua filha em casamento.

Era o dia em que a filha do velho passava a ser a namorada permanente.

Fruto desses pormenores, românticos, antigos, mas muito bonitos, alicerçava-se o casamento, a família que desafiava o tempo e arrumava o caminho para o sucesso dos filhos.

Até por decurso de prazo e por mal observador que somos hoje não sabemos a quantas andam estes pormenores do dia dos namorados.

Imaginamos que a tal de internet deve ser o meio através do qual as juras de amor são trocadas hoje em dia e não podemos deixar de sentir, não dó, mas uma tristeza de saber que os namorados se informatizaram tanto e deixaram de lado o calor da presença da mão na mão, do olho no olho, do coração no coração.

É, no entanto, o preço a ser pago pelo progresso.

Mas, puxa vida, será que juntamente com este progresso espetacular que o mundo da informatização propicia não poderíamos experimentar, também, um progresso no relacionamento humano, direto, cara a cara.

Sabemos que esta necessidade do calor humano é intrínseca no homem e mesmo que por agora anda meio que escondido, num momento qualquer, apesar das ondas cortando os ares ele se fará presente.

Não sabemos o dia de amanhã.

Mas temos a nítida impressão e até temos medo de que quando este momento vier os namorados de hoje não estejam preparados para recebê-lo.

Por isso, desculpem o fora de moda da nossa confissão, estamos nos colocando no papel daqueles que sem poder mover a pá da compreensão, se colocam na posição de esperançosos e com as suas orações almejam de uma maneira ou de outra, ajudar o coração dos jovens na compreensão de que eles precisam se preparar para o calor humano.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A Luz do Girassol

— Toc, toc, toc!
Minha mulher espreguiçou-se e resmungou:
— Quem será a esta hora da manhã batendo à nossa porta?
Claro que o escalado para levantar-se e atender o madrugador era eu, né:
Com a cabeça ainda girando de sono, pois na noite anterior eu custara para conciliar o sono, sentei-me na cama e esperei que o meu espírito estivesse totalmente incorporado para levantar-me e ir atender a porta.
Abri a porta e a luz da manhã feriu meus olhos como se fossem milhões de agulhas. Apertei os olhos e reconheci Dona Maria.
— Bom dia seu Vernil, espero tê-lo acordado para o senhor poder aproveitar a beleza desta manhã de sábado. Veja que sol, que céu azul, quanta vida.
Sem Ter entendido muito que Dona Maria queria dizer, ainda assim, concordei com ela, para ganhar tempo.
— Não via hora de amanhecer para vir cumprimentá-lo pelo casamento do seu filho, ontem. Nunca tinha visto tanta gente bonita junta. O noivo e a noiva estavam lindos e firmes, como poucas vezes vi em outros casamentos. O padre falou bonito e a sua mensagem evangélica atingiu em cheio todos os presentes. Foi um momento de muita emoção.
— Obrigado, muito obrigado, Dona Maria. Eu, também, gostei muito da cerimonia do casamento.
— Na verdade, Dona Maria, olhando para frente, eu na realidade acabei de ganhar mais uma filha. Aliás, pelo tempo decorrido de namoro ela já estava filha havia muito tempo. Comparo a entrada dela, oficialmente, de papel passado, na nossa vida, à luz que emana de um girassol, que passa, agora, a fazer brilhar mais a nossa luz.
— Acredito nisso, seu Vernil. Estou desejando ao Marcelo e à Raquel, toda a felicidade do mundo.
— Sabe, Dona Maria, aconteceu uma coisa legal. Um dos amigos do meu filho presenteou o casal com um quadro maravilhoso. Uma gravura com girassóis, dourados, iluminados, como se fosse a própria fonte de todas as energias.
— Os girassóis são lindos e trazem sorte, seu Vernil.
— Isso mesmo, Dona Maria. Só que o quadro me tocou profundamente e eu já o escondi atrás do guarda vestido aqui de casa. Estou firmemente determinado em ficar com o quadro para mim. Vou esperar o casal arrumar a casa e, como a casa é pequena, talvez não haja espaço para o quadro com girassóis, aí, então, vou oferecer-me para guardá-lo aqui em casa, claro que pendurado na parede.
— Seu Vernil, isso é coisa maquiavélica. Deus me livre dos seus desejos. Cruzes!

terça-feira, 7 de julho de 2009

O 6º. Salão de Fotografias Pérsio Galembeck

Confesso que a neblina impôs medo ao recém saído de uma abençoada gripe.
O frio, parece, queria alcançar os meus ossos.
Maldade, pois os meus já estão maltratados e submetê-los ao frio me parece exagero.
No entanto, valeu a pena.
O 6º. Salão de Fotografias Pérsio Galembeck, segundo meus conhecimentos, foi inaugurado com absoluto sucesso e saímos de lá muitos satisfeitos.
Sem comentar os trabalhos vencedores a minha admiração voltou-se para a foto cujo título, se não me falha a memória era: Solidão na multidão.
A foto obtida do alto retrata um cruzamento de avenidas em cidade de grande porte, mostrando aglomerado intenso de pessoas que parecem perdidas e ao mesmo tempo parecem saber para onde ir.
É como se o maestro tivesse arrumado a orquestra sem premiar os conjuntos de instrumentos e mesmo assim, no concerto, a harmonia sai perfeita.
Claro que esse raciocínio remeteu-me para a consideração do que é realmente o mundo e a humanidade.
Aquele pedaço mínimo de cidade retratado com uma mínima parte de seus habitantes pareceu-me um mostruário de como se ajeita a humanidade, nos seus mais variados interesses e grupos, para que a vida transcorra objetivando a somar os esforços de cada um para apresentar o grande espetáculo de concerto inimitável.
Mas há tantas coisas ruins, afirmariam alguns.
A eles dizemos que: não seria este som, ou zumbido, o meio de um trabalho de afinar instrumentos para que a melodia do concerto, logo mais à frente, seja apresentada com roupagem divinal?

A Idade da Pedra é aqui

A turma reunida deixava as horas se escoarem pelo ralo do não faz nada.
A cerveja preta é melhor que a branca, é mais forte e complementa com mais sabor os petiscos. A batata frita crocante, o frango a passarinho, quase torrado, deixava os lábios e as pontas dos dedos de todos brilhando de gordura.
Os assuntos, variados, iam desde a desdita dos kosovares até as curvas da Tiazinha.
Podia-se comparar a reunião com uma sessão de terapia em grupo. A pança cheia a cerveja estimulando a língua e a inconseqüência eram os ingredientes.
Sentado à esquerda de quem entra pelo bar, o homem já tentara convencer meia dúzia de companheiros de que o errado podia ser muito bem o certo e que o certo nem sempre era tão certo assim.
Acabara de falar e, automaticamente, olhou para a mão direita pousada sobre a mesa e viu o cabelinho branco na altura do seu pulso. Quis desviar a atenção para um dos amigos que começava um novo assunto, mas o seu cérebro voltou ao cabelinho branco.
Com os dois dedos, dedão e fura bolo, tentou arrancar a cabelinho branco e o que conseguiu foi só arrancar meia dúzia de cabelinhos pretos que estavam ao redor do branco.
O vozerio ficou distante e o homem sem conseguir conter-se começou a pensar em si. Cabelo branco é sinal de envelhecimento. Tentou, em vão, lembrar-se de sua imagem na última vez que olhou para o espelho, na manhã daquele dia. Não prestara atenção.
Será que os seus cabelos estavam brancos? Sentiu raiva de si mesmo por não saber responder a pergunta.
Sem que ninguém entendesse, levantou-se, despediu-se com um tchau xoxo e saiu quase que apressado para a rua em direção à sua casa.
Entrou sem chamar a atenção, passou pela sala onde a tv fazia um barulho enorme e foi direto ao banheiro. Sofregamente ligou a luz e levou o maior susto da sua vida. Olhou o espelho. Estava velho.
De repente objetivos que estavam na fila de espera, ganharam importância das urgências e o tempo vivido ficou reduzido há um instante.
O seu filho nem começara ganhar a vida. A viagem com sua esposa nem começara a ser planejada. Precisava trocar o carro. A prestação da geladeira estava atrasada e, pior, estava sem emprego.
Velho com objetivos, prestações e necessidades atrasados, naquele momento era o retrato da desesperança. Chorou.
Ser velho e todas as necessidades ele poderia ajeitar, mas sem emprego como haveria de ser.
O país entrou em crise e lá se foi o seu emprego. Os seus amigos, mesmo aqueles que estavam empregados estavam reclamando, pois o que estão ganhando não dá para comprar nada do que precisam, a não ser o arroz o feijão e a farinha, para encher a barriga dos trouxas que têm direitos, mas que a cada crise vêm as suas conquistas serem surrupiadas para acudir o país.
O pior é que acudir o país é o mesmo que salvar as mansões em Miami ou as ilhas em Angra dos Reis.
A experiência (conquista das pessoas que começam a envelhecer) mandava que não fosse contra o poder econômico, mesmo porque, de nada adiantaria, porque ele faz parte da maioria excluída e silenciosa, de cujo lombo estão tirando o couro para que as mansões de Miami não tenham que ser vendidas.
Tudo bem, pensou, vou resignar-me.
Foi para a sala e o meu, o seu, o nosso Presidente da República, estava sendo entrevistado. Ágil nas respostas e sorridente fez todos da sala crer que o Brasil estava para ser guindado à posição de paraíso. Nada daquilo que o povo estava reclamando era verdade. O Real havia recolocado a justiça social no seu devido lugar. Todos menos ele é bom que se diga. Pudera, ele como 20% de todos os aptos para trabalharem estavam sem onde trabalhar, e muitos estavam velhos, com as prestações, objetivos e necessidades atrasadas, nem mesmo, o meu, o seu, o nosso Presidente haveria de convencê-los.
Mas como a esperança é a última que morre, com certeza, quando a moralidade for programa de algum governo, quem sabe a questão social saia de uma vez por todas da “Idade da Pedra”.