Quando somos pequeninos, 3, 4 anos, as informações que nos chegam, na maior parte das vezes, entram por um ouvido e saem pelo outro e, não sei por qual dispositivo, elas permanecem em nós como um sentimento.
Como tal, aguça
os nossos desejos e, muitas vezes, nos predispõe a lutar para conseguir uma
coisa que não conseguimos definir.
Assim, quando
pequeno, o meu desejo de comer o pastel da vovó Amália chegava a ser
angustiante.
Segundo pude
apurar, recentemente, os pastéis da vovó Amália eram famosos e disputados nas
quermesses que a Igreja Matriz promovia.
Não consigo
lembrar-me muito bem, só sei que o plano foi exposto e eu, pelas mãos, não sei
de que tia me postei atrás da barraca de lona e esperei que a fresta se abrisse
e a mão conhecida de vovó, enfiasse um pastel nas minhas nervosas mãos.
A primeira
mordida foi catastrófica, pois o ar quente acabou queimando a minha boca. Nem
liguei para a dor, pois o queijo derretido e a massa crocante foram mais fortes.
Liquidei o pastel e saciei o meu desejo. Foi divino.
Vovó Amália
morava na esquina da Rua José Bonifácio com a Rua 13 de Maio. A sua casa era
como se fosse a minha.
Mamãe, todos os
dias à noite, saia de casa ali pelas 19 horas e percorria a metade do
quarteirão que separava a nossa da casa de vovó, arrastando o tamanco na
calçada e retornava por volta das 21 horas.
— Rrrrrrrra,
rrrrrrrra, rrrrrra, produzia o tamanco no atrito com a calçada da casa do seu
Carrinho. Naquele tempo a energia elétrica era muito ruim e naquele horário, o
barulho do tamanco parecia querer espantar os fantasmas que eu acostumava ver
na escuridão.
Com o cachimbo
pendurado no canto da boca, vovó nos dava um palito para ficarmos coçando o seu
pé.
Olhos
semicerrados sentada numa cadeira e com o pé em outra, puxava a conversa que
girava em torno de todos os assuntos. Não tínhamos TV naquele tempo, por isso o
exercício do papo longo era o grande esporte nacional.
Lembro-me do dia
da morte da vovó, era muito pequeno. Naquele mesmo dia, ela não chegou a ficar
sabendo, ganhou no jogo do bicho, pois deu na cabeça o bicho de sua predileção:
o Galo.
Imagino hoje
que, lá no Céu, algum anjo anda cutucando o seu pé com um palito e, com
certeza, ansioso por experimentar um pastel de queijo da vovó Amália Wolf.