quinta-feira, 25 de julho de 2013

Desejos de criança

“Pastel da vovó Amália”
Quando somos pequeninos, 3, 4 anos, as informações que nos chegam, na maior parte das vezes, entram por um ouvido e saem pelo outro e, não sei por qual dispositivo, elas permanecem em nós como um sentimento.

Como tal, aguça os nossos desejos e, muitas vezes, nos predispõe a lutar para conseguir uma coisa que não conseguimos definir.

Assim, quando pequeno, o meu desejo de comer o pastel da vovó Amália chegava a ser angustiante.

Segundo pude apurar, recentemente, os pastéis da vovó Amália eram famosos e disputados nas quermesses que a Igreja Matriz promovia.

Não consigo lembrar-me muito bem, só sei que o plano foi exposto e eu, pelas mãos, não sei de que tia me postei atrás da barraca de lona e esperei que a fresta se abrisse e a mão conhecida de vovó, enfiasse um pastel nas minhas nervosas mãos.

A primeira mordida foi catastrófica, pois o ar quente acabou queimando a minha boca. Nem liguei para a dor, pois o queijo derretido e a massa crocante foram mais fortes. Liquidei o pastel e saciei o meu desejo. Foi divino.

Vovó Amália morava na esquina da Rua José Bonifácio com a Rua 13 de Maio. A sua casa era como se fosse a minha.

Mamãe, todos os dias à noite, saia de casa ali pelas 19 horas e percorria a metade do quarteirão que separava a nossa da casa de vovó, arrastando o tamanco na calçada e retornava por volta das 21 horas.

— Rrrrrrrra, rrrrrrrra, rrrrrra, produzia o tamanco no atrito com a calçada da casa do seu Carrinho. Naquele tempo a energia elétrica era muito ruim e naquele horário, o barulho do tamanco parecia querer espantar os fantasmas que eu acostumava ver na escuridão.

Com o cachimbo pendurado no canto da boca, vovó nos dava um palito para ficarmos coçando o seu pé.

Olhos semicerrados sentada numa cadeira e com o pé em outra, puxava a conversa que girava em torno de todos os assuntos. Não tínhamos TV naquele tempo, por isso o exercício do papo longo era o grande esporte nacional.

Lembro-me do dia da morte da vovó, era muito pequeno. Naquele mesmo dia, ela não chegou a ficar sabendo, ganhou no jogo do bicho, pois deu na cabeça o bicho de sua predileção: o Galo.

Imagino hoje que, lá no Céu, algum anjo anda cutucando o seu pé com um palito e, com certeza, ansioso por experimentar um pastel de queijo da vovó Amália Wolf.

 

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