Não era muito tarde.
Eu e minha mulher voltávamos da prazerosa
tarefa de levarmos para casa um casal nosso amigo.
Na ida, por força de tarefas idênticas que
tínhamos, estabeleceu-se um animado papo sobre o mundo espiritual.
Lembrávamo-nos do esforço de companheiros
no serviço de evangelização, de outros companheiros no serviço desassombrado da
assistência social, enfim de todos os afazeres que os voluntários desenvolvem
na comunidade religiosa a que pertencemos.
Avaliávamos a importância de cada tarefa e,
até porque participamos, o nosso entusiasmo ficou acentuado.
Deixamos o casal na porta do lar e
começamos a viagem de volta.
Comentamos os assuntos tratados na ida e começamos
a acertar a agenda do dia seguinte.
Bancos, feira, exames e, principalmente,
trabalho, faziam parte do menu do outro dia.
O carro descia devagar, não havia pressa,
quando chamou a nossa atenção o andar com passos rápidos e desconfiados de um
menino que estava na calçada a 50 metros de nós.
Como se fosse um poderoso imã o garoto
chamou para si a nossa total atenção.
A uns 20 metros dele, de dentro do nosso
carro que rodava bem devagar, pudemos ver os movimentos nervosos do garoto
cheirando cola.
Ficamos como uma descarga elétrica tivesse
atingido o nosso cérebro e, eu, por minha vez, comecei a suar.
Aquela cena lembrava-nos da penúria que
enfrenta uma considerável parte da população brasileira.
Embora sozinho o menino não representa um
ato isolado. Ele faz parte de um grande contingente que, vítimas de desmandos
sociais, se entregam ao vício, buscando na alienação uma solução que nunca
virá.
Além disso, sem saber o que estão fazendo,
drogados, pressionados pela necessidade de satisfazerem o vício, buscam nas propriedades
do alheio os meios. Roubam, prostituem-se, furtam, matam e alimentam com o
dinheiro dos traficantes, que alimentam os traficantes de armas, que alimentam
os que se tornam bandidos, depois de se drogarem.
A verdade é que a nação que mais cobra
impostos, em termos percentuais, não consegue ter dinheiro para investir no
combate a esta vergonha.
Faltam homens, faltam viaturas, faltam
cadeias adequadas, falta tudo.
Penso que o que falta é cobrança.
Para mim quando esses problemas começam a
ser relatados para aqueles que têm a obrigação de tomar providências e por
causa de tanta dificuldade que isso acarreta, eles simplesmente fecham os olhos
e, por não verem, pensam que o problema não existe.
Ledo engano.
As fortalezas em que se transformaram as
casas são uma certeza de que na história e, por isso, na realidade, todos serão
cobrados, se antes disso, não se transformarem em vítimas dessa realidade, que
por força da importância de cada um, poderia ter sido mudada, pelas próprias
atitudes.
Ei você! Não feche os olhos.