sexta-feira, 9 de maio de 2008

A Cabocla sábia



Com um gesto largo, ela apontou a mão direita em direção à parede, onde estava pendurada a imaginária gaiola.
— Meus filhos coloquem os dedinhos para fora que a vovozinha quer ver se vocês já engordaram.
Joãozinho e Maria, obedientes, colocavam o rabinho do ratinho para fora.
A vovozinha, que não enxergava muito bem, apalpava o rabinho do ratinho e decepcionada, dizia:
— Preciso aumentar a comida, pois desse jeito vocês nunca estarão prontos.
As peripécias dos irmãos, Joãozinho e Maria, terminavam com os dois escapando da gaiola e voltando para casa, prometendo à mãe nunca mais saírem sem avisar.
Esta era uma das muitas estórias que minha mãe contava para uma platéia atenta, de muitos filhos e agregados.
O texto deixava de ser tão importante, pois a interpretação da caboclinha era de espantar qualquer atriz global.
Hoje, longe daqueles momentos divinais, penso de como as pessoas, as mais simples, podem, com algum esforço, transformarem-se em participantes de grande utilidade para o desenrolar da vida.
Lembro-me de minha mãe, baixinha, olhos miúdos e redondos, tomando conta de 8 filhos e, na medida da necessidade, brava ou terna.
Era uma tarefa árdua. Todos nós éramos como brinquedos, nos quais, todas as manhãs trocavam as pilhas.
Desde o alazão em que se transformava a janela com um travesseiro, até o circo com o seu inefável serviço de alto-falantes; desde o pula carniça até o esconde-esconde; desde nadar nos ribeirões até os banhos de bacias, numa movimentação de cinema mudo, mexendo em tudo, parando nunca.
Impúnhamos, com a nossa inocência e sede de vida, um duro viver à nossa mãe.
Depois da sua morte poucas vezes sonhei com ela. Na medida em que o tempo passa, a sua lembrança me é mais viva e melhorada, pois passei a entender a sua força e sabedoria.
Muitas coisas, mas muitas mesmo, que fez e que passaram sem registros naquele passado, hoje, no presente, são lições de vida.
As poucas vezes que sonhei com ela, foram momentos de rara felicidade.
A sua imagem reflete a tranqüilidade dos espíritos que cumpriram a sua missão enquanto estiveram encarnados na terra.
Na verdade quando acordo sinto-me mais sábio, pois o simples fato de estar com ela em meus sonhos, como que por encanto, a minha mente abre-se para as lembranças e seus ensinamentos. Isto me faz mais propenso a entender a vida e a compreender que a felicidade está, exatamente, na grandeza dos nossos corações, dentro dos quais, nem a morte física é capaz de tirá-la.
A cabocla era e é “pedra 90”.

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