quinta-feira, 10 de julho de 2008

Lembranças


Procurei nos recantos da minha mente as imagens das minhas rosas vermelhas. Havia passado um dia corrido, cheio de afazeres que me prenderam no centro da cidade. Estava cansado.
A noite era quente, sufocante. Por isso, lembrei-me de lembrar das imagens das minhas rosas vermelhas. Já havia experimentado, antes, o beneficio da lembrança das rosas vermelhas.
O buquê de rosas me veio à cabeça e o pensamento, desligado do corpo quente, saiu de mim, montado no tempo, para visitar as minhas outras lembranças.
Deslocando na velocidade que só pensamento possui, fui visitar o campo santo, o cemitério. É bem verdade que costumo fazer isso, de corpo presente, sempre que posso, mas desta vez, só em pensamento, era uma experiência e tanto.
Como que dirigido por força de insuspeita intensidade, me vi diante do túmulo do famoso médico e benfeitor, Narciso Gomes.
Não cheguei a conhecê-lo, mas pelo que me contam, era um homem que atendia os seus pacientes com grande carinho e segundo narração de algumas pessoas, mesmo morto, ainda assim, costuma atender muitos necessitados.
Desci por entre os túmulos e cheguei onde descansam os benfeitores, o Seu Angelo Enfermeiro e a Dona Augusta. Lembrei-me, naquele momento, da tosse comprida, a famosa tosse de cachorro, que me acometeu e que levou-me pela primeira vez a ter os cuidados dos dois. Claro que a injeção dolorida está esquecida e que permanece em mim a doçura dos dois saudosos amigos.
O Seu Angelo, grande pescador, era de poucos risos, mas de alma pura e trabalhadora trazia, para nossa alegria, juntamente com os seus parceiros, peixes que a Dona Augusta fritava como nunca mais consegui ver. Os "Corimbatas", em pedaços, dourados, crocantes, faziam a festa para a nossa barriga.
Certa vez, deslizando pela varanda molhada, levei um tombo espetacular e bati com o queixo no chão. O corte exigia uns pontos.
Naquele tempo, as injeções para anestesiar, eram "manga de colete", por isso, Dona Augusta, que se prontificou a dar os pontos, precisou usar todo o seu conhecimento técnico e psicológico para costurar sem que eu abrisse um berreiro.
A sua docilidade e extrema perícia fez com que eu me mantivesse quieto e com direito a um pirulito ao final da intervenção. Nem marca ficou.
Afastei-me para o alto e vi o campo santo, em silêncio e cheio de árvores.
O engraçado é que quando garoto tinha medo dele e agora, apesar de estar lá em pensamento, sentia-me tranqüilo.
Com a mesma velocidade o meu pensamento voltou para mim e para o meu quarto. O sono começava o seu trabalho restaurador.
Amanhã, pensei, acho que já dormindo, vou contar a minha aventura para a Dona Maria.

Nenhum comentário: