terça-feira, 11 de junho de 2013

Deu Tigre

O jogo de bicho antes de fazer parte das contravenções, há muitos
anos atrás, logo depois do tempo que se amarrava cachorro com linguiça, já foi poético e motivo de começo de amizades que desafiaram e desafiam o tempo.
As comadres daquela época, sem rádios que conseguissem sintonizar bem a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e, por isso, não conseguiam ouvir e nem fazer parte das fãs que gritavam nos auditórios os nomes dos artistas da época: Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Francisco Alves, Carlos Galhardo e muitos outros, buscavam no bate papo a convivência social que o ser humano não pode prescindir.

— Com quem a senhora sonhou esta noite, comadre?

Era a primeira pergunta, logo após o café da manhã, no primeiro encontro das mulheres.

Se o sonho havia sido com alguém muito gordo, o bicho do palpite infalível era o elefante.

Se o sonho era com um moço bonito, o bicho do dia era o tigre.

Se o sonho era com o moço delicado, descarregavam os tostões no grupo do veado. 

Sonhando com a mulher que se vestia modernamente, era certo que a borboleta ia dar no primeiro prêmio.

Se o homem ou o pai bravo era o personagem do sonho, à tarde não dava outro, dava leão.

Assim, a imaginação das comadres dava trato à criatividade.

História verídica conta que duas ou três comadres, lá pelas nove horas da manhã, assumiam os deveres de fazer o almoço, arrumar a casa e passar roupa para outra que, por sua facilidade em sonhar, ia para cama dormir, das nove horas até o meio dia, para que todas pudessem descarregar os minguados tostões no palpite que advinha do sonho da felizarda.

Eu mesmo presenciei a necessidade de um palpite romper barreiras incríveis. Vejam só.

A comadre não sabia ler nem escrever, no entanto, logo pela manhã, de lápis e o insubstituível papel de embrulhar que havia chegado logo cedo protegendo o pão, sentava-se à mesa e com ares de Galileu, punha-se a fazer uma conta de somas, multiplicações e diminuições, que só chegava ao fim depois de preenchido o papel de embrulho, constituindo-se na famosa “TIRADA", que trazia no resultado o palpite certeiro para aquele dia. Triunfante ela exclamava:

— Hoje é o dia do macaco!

Pena não se ter guardado uma “tirada”, para analisarmos a sua estrutura através de um matemático, desses que andam por aí, palpitando nas loterias oficiais. 

Minha avó por adoção ganhou no bicho no dia da sua morte. Minha mãe, desde que me entendi por gente, não deixou um dia sequer de jogar no bicho, até a sua morte.

Dona Maria depois de ler por cima do meu ombro estas linhas, saiu correndo para jogar no pavão. Perdeu. Deu tigre na cabeça.

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