O jogo de bicho antes de fazer parte das
contravenções, há muitos
anos atrás, logo depois do tempo que se amarrava cachorro com linguiça, já foi poético e motivo de começo de amizades que desafiaram e desafiam o tempo.
anos atrás, logo depois do tempo que se amarrava cachorro com linguiça, já foi poético e motivo de começo de amizades que desafiaram e desafiam o tempo.
As comadres daquela época, sem rádios que conseguissem
sintonizar bem a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e, por isso, não conseguiam
ouvir e nem fazer parte das fãs que gritavam nos auditórios os nomes dos
artistas da época: Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Francisco Alves, Carlos Galhardo
e muitos outros, buscavam no bate papo a convivência social que o ser humano
não pode prescindir.
— Com quem a senhora sonhou esta noite, comadre?
Era a primeira pergunta, logo após o café da manhã, no
primeiro encontro das mulheres.
Se o sonho havia sido com alguém muito gordo, o bicho
do palpite infalível era o elefante.
Se o sonho era com um moço bonito, o bicho do dia era
o tigre.
Se o sonho era com o moço delicado, descarregavam os
tostões no grupo do veado.
Sonhando com a mulher que se vestia modernamente, era
certo que a borboleta ia dar no primeiro prêmio.
Se o homem ou o pai bravo era o personagem do sonho, à
tarde não dava outro, dava leão.
Assim, a imaginação das comadres dava trato à
criatividade.
História verídica conta que duas ou três comadres, lá
pelas nove horas da manhã, assumiam os deveres de fazer o almoço, arrumar a
casa e passar roupa para outra que, por sua facilidade em sonhar, ia para cama
dormir, das nove horas até o meio dia, para que todas pudessem descarregar os
minguados tostões no palpite que advinha do sonho da felizarda.
Eu mesmo presenciei a necessidade de um palpite romper
barreiras incríveis. Vejam só.
A comadre não sabia ler nem escrever, no entanto, logo
pela manhã, de lápis e o insubstituível papel de embrulhar que havia chegado
logo cedo protegendo o pão, sentava-se à mesa e com ares de Galileu, punha-se a
fazer uma conta de somas, multiplicações e diminuições, que só chegava ao fim
depois de preenchido o papel de embrulho, constituindo-se na famosa “TIRADA",
que trazia no resultado o palpite certeiro para aquele dia. Triunfante ela
exclamava:
— Hoje é o dia do macaco!
Pena não se ter guardado uma “tirada”, para
analisarmos a sua estrutura através de um matemático, desses que andam por aí,
palpitando nas loterias oficiais.
Minha avó por adoção ganhou no bicho no dia da sua
morte. Minha mãe, desde que me entendi por gente, não deixou um dia sequer de
jogar no bicho, até a sua morte.
Dona Maria depois de ler por cima do meu ombro estas
linhas, saiu correndo para jogar no pavão. Perdeu. Deu tigre na cabeça.
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