sexta-feira, 14 de junho de 2013

Emissários de Deus

Naquele dia pela manhã o seu rosto irradiava uma mocidade que a muito, cronologicamente, ele deixara para traz.

 

O seu casaco azul de gola em “V” de se colocar pela cabeça, aquecia o seu corpo com sobras e o frio que todos esperavam não chegava a incomodá-lo.

Enquanto subia pela Rua 7 de setembro ia prestando atenção nas pessoas apressadas, saltitantes e de olhares desconfiados que passavam por ele.

 

Tempos atrás não era assim. Sair de casa naquele tempo era ganhar uma sucessão infindável de bons dias e de sorrisos amigos e de algumas conversas esclarecedoras. Hoje, o mundo mudou.

 

Na esquina da rua Tiradentes, passou por ele uma mulher grávida, pelo corado das maçãs do seu rosto, que mais parecia uma lâmpada ligada em alguma tomada do céu, lá ia ela como que empurrando um carrinho que teimava ficar invisível para as pessoas comuns. Para ele  e para ela, não. Era um carrinho cheio de felicidades.

 

As grávidas desde há muito tempo sempre o encantaram. A felicidade que ele sentia ao ver uma, era indescritível.

 

Talvez porque ele sabia como ninguém que a gravidez representava a existência de uma nova vida, para começar um novo tempo. Isso mesmo, uma nova vida é sempre o começo de um novo tempo. À medida que as novas vidas começam, o mundo deixa para trás  o rastro na estrada da ignorância, pois cada uma delas, traz consigo um pouco mais de sabedoria, não a simples sabedoria científica, mas a sabedoria total, que soma a ciência com moralidade para o seu uso. Isso é a evolução incondicional do ser humano.

 

Os seus pensamentos terminaram quando estava chegando à esquina com a Rua Júlio Mesquita. Parou, respirou fundo e olhou demoradamente para a esquina da Praça Barão de Araras. Viu algumas pessoas em duas ou três rodinhas, sem que pudesse identificar quem eram. Sabia, no entanto, que ali os assuntos ganhavam importância. Qual seria o assunto tratado? Seria o Viagra? Seriam as pílulas de farinha?

 

O Viagra já baixara de importância e seguramente as pílulas de farinha haveriam de conseguir a atenção da maior assembleia popular da cidade.

Virou a esquina e entrou no prédio do Jornal Opinião. Desenhou o sorriso e entrou pela redação distribuindo os bons dias. A rodinha que estava discutindo calorosamente emudeceu, para responder o cumprimento e um dos componentes quase gritou: - Tem uma ararense que usou o Microvlar e ficou grávida.

 

Não sabe porque, mas a adrenalina derramou-se copiosamente e ele ficou alerta. Na sua cabeça a ararense era aquela grávida que passou por ele na esquina da Tiradentes. Será que ela vai querer abortar e impedir o nascimento do filhinho. O choque foi grande, mediante esta possibilidade e, a dor de cabeça deu o primeiro sinal.

 

Sentou-se, flertando com o frio computador e resolveu mandar uma mensagem à mulher grávida:

 

“- Preste atenção senhora, olha que o mundo desde quando tomou conhecimento de si mesmo, tem no homem o seu principal artesão que, nesses milênios todos, pacientemente,  tem construído este progresso que temos agora. Imagine, sem saber nada, apenas por intuição e forçado a raciocinar ele já conseguiu tudo isso. Imagine agora, com todo o conhecimento que ele reuniu até agora, raciocinando, em que beleza deverá transformar o mundo daqui mais cem anos. Acho que deveremos conseguir andar sem colocar os pés no chão, visitaremos a lua e outros planetas na velocidade do pensamento, falaremos uma só língua, teremos governo ordenado e sério, teremos justiça ao alcance de todos, nem precisaremos de policiais. Ah, ia esquecendo-me, todos nós teremos um computador, com capacidade de falar, sentir e fazer os nossos serviços, apenas pelo comando de nossas vozes e, principalmente, teremos o maior cristalizador de todas as conquistas científicas, o amor. Seremos todos e seremos um.

 

Para que isso aconteça, no entanto, é necessário que não seja cortado o fluxo da vinda de novas vidas para a terra. “Por isso senhora, eu lhe peço, deixe nascer mais este emissário de Deus”.

 

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