O ararense caminhava apressadamente e o solado de
couro do seu sapato bem engraxado, batendo no cimento da calçada fazia ressoar
alto o toc-toc. Tão alto que as
pessoas que passavam ao seu lado olhavam curiosos.
A avenida Paulista, naquela hora da manhã, com o sol
das 9 horas, estava cheia de carros nas ruas e muita gente apressada nas
calçadas.
Procurando sentir a sua carteira no bolso de trás,
disfarçava o seu nervosismo e pensava:
º º º Por que será que me olham tanto? Será que já
perceberam que eu sou do interior?
O paulistano tinha
fama de tudo menos de vidente e, com certeza, ele não estava com a sua
procedência escrita na testa.
Andou mais uns três quarteirões e chegou a hora de
atravessar a avenida. Sentiu um frio na barriga ao parar na guia da calçada. O
semáforo estava a uns 50 metros à frente, mas atravessar a avenida ali ia
adiantar pelo menos 100 metros de caminhada. Como não tinha com quem falar no
meio daquela multidão, começou a pensar, novamente:
º º º Será que era verdade, o que aquele seu amigo de
Araras havia dito? Não acredito que a quantidade de ararense atropelados em São
Paulo seja muito alta. Aliás, lá em Araras, por exemplo, eu só tive que pular
umas três vezes para não ser atropelado, na rua de maior movimento, a rua
Tiradentes. Claro que, naquele dia, eu tinha uma desculpa. Discuti com o patrão
e acabei perdendo o emprego. Bom, de qualquer forma, eu vou atravessar no farol
e ficar com a consciência tranqüila.
Caminhou mais os 50 metros, parou com ar de doutor
sabe tudo e esperou que o farol ficasse verde.
O farol ficou amarelo, ele arrumou o paletó e gravata.
O farol ficou verde, ele não perdeu tempo e deu um passo já no leito do avenida
e teve que bancar artista de circo para não ser atropelado pela perua, cujo
motorista, distraído, avançou o sinal.
Ele jogou o corpo para trás, e com as suas costas
atingiu dois outros indivíduos que vinham logo atrás dele e aconteceu o efeito
dominó.
Caíram umas seis pessoas além dele e, inclusive, uma
mulher grávida. Ele não tivera culpa, mas uns dois ou três envolvidos no
acidente, resolveram xingá-lo, e, os outros, enalteceram a figura da mãe do
motorista da perua.
Teve que esperar mais três longos minutos até que o
sinal ficasse verde outra vez. E, desta vez, antes de dar o passo, olhou para
um lado, olhou para o outro lado e só depois disso atravessou a avenida, quase
que correndo.
O prédio da FIESP, uma obra de arte da arquitetura
brasileira, já estava a vista e ele estimulado pela visão do seu destino,
apressou, ainda mais, os passos.
Enquanto caminhava voltou a pensar:
º º º Nem sei se vou ser recebido por algum diretor de
importância, mas, sem emprego e sem perspectiva de encontrar um para poder
viver dignamente, por nada perderia a oportunidade de tentar sensibilizar os
todos poderosos empresários e, de repente, quem sabe a minha determinação não
ajude a minha cidade a ter mais uma indústria.
º º º A
monocultura da cana de açúcar, que já rendeu tantos dividendos para os
ararenses, inclusive, permitindo que Araras fosse por várias vezes a cidade de
maior progresso no Brasil, com o final do programa de incentivo à produção e
uso do álcool como combustível, está precisando de uma ajuda importante para
permitir que o progresso não fique parado.
º º º A globalização da economia, um novo desafio para
os brasileiros vencerem, só poderá ser vencido se os municípios tiverem, cada
um deles, uma industrialização que possa oferecer empregos aos seus filhos e
com os impostos recolhidos a cidade possa sustentar-se.
º º º É certo que muitas industrias instalaram-se na
minha terra, mas é preciso muito mais. Eu acho que vai ser muito difícil, pois
todas as outras cidades estão correndo atrás.
º º º Um outro negócio que poderia aliviar para Araras
esta pressão da concorrência com as outras cidades, seria a instalação de um
programa arrojado de incentivo ao turismo, acompanhado, é claro, de obras para
dotar a cidade de infra-estrutura.
º º º Acho que não é só a Prefeitura que tem que ver
estas coisas, e, aliás, ela deveria nomear uma comissão de alto nível para
analisar os problemas desta questão que é muito complexa. Empresários,
sindicalistas, operários, profissionais liberais e outros comporiam esta
comissão.
E lá ia o ararense, esbarrando num e noutro paulistano,
certo de que ia ter sucesso na sua empreitada para conseguir uma indústria para
Araras.
º º º O certo era arrumar uma siderúrgica, que apesar
da poluição, criaria a necessidade de outras empresas. Mas a cidade não tem
minério de ferro. O Ito quebraria o galho com o seu depósito de ferro velho.
Pensou isto e precisou curvar-se para rir. As pessoas
apressadas olharam para ele pensando que estava insano. Ele nem se importou.
Deu mais uns trinta passos e escutou uma batida e
barulho de freios. Olhou para trás a tempo de ver o Opala velho desgovernado
vindo para cima dele.
Morreu e sua nobre intenção não realizou-se.
Acordou espírito no mundo invisível e aquela vontade
de ajudar a cidade ainda estava presente. Era aniversário da cidade e se tem
presente que todas as cidades gostam, é uma indústria, que dê empregos para os
seus filhos e que recolham o imposto direitinho.
Percebeu a presença de um senhor simpático sentado
numa cadeira e assustou-se.
- Calma. disse o homem. - Você está entre amigos. Este
seu desejo de presentear a sua cidade já não tem mais importância. Esses anos
em que você ficou inconsciente nós cuidamos disso.
- Olha a relação de indústrias que estão instaladas lá
em Araras:
1 Siderúrgica
1 Montadora de Automóveis
1 Fábrica de Televisão
1 Fábrica de Cerveja e Refrigerantes
1 Fábrica de Materiais Esportivos
1 Fábrica de Componentes Eletrônicos e de Computador
Além disso, a Usina de Reciclagem de Lixo, é a maior
fornecedora de adubo orgânico da região.
O ararense, deixou acender em seu rosto a luz da
felicidade e foi encaminhado para uma nova reencarnação, numa outra cidade
necessitada do Estado. Só não se sabe se no Estado de São Paulo.