quinta-feira, 4 de abril de 2013

Zé Gostoso, o professor de humildade


Há horas ele andava sem rumo. Já tinha passado pelo bar do Calçadão uma porção de vezes, na
esperança de encontrar um amigo para um bate papo.

Já estava pronto para voltar para casa e ficar ao alcance de sua esposa quando, dobrou a esquina, com uma cesta coberta por um pano branco no braço esquerdo, o Zé Gostoso. Vinha sorrindo como sempre.

- Ô Zé, que que tem hoje? Banana ou laranja?

Sem modificar o sorriso que o tornava, ainda mais bonito, o Zé Gostoso respondeu, impostando a voz de vendedor para que todos que estivessem na redondeza escutassem.

- Laranja amarelinha e doce que cura dor de dentes na hora. Laranja mel, laranja do céu.

Ao ouvir a voz bonita do Zé Gostoso vendendo o sua laranja, ele notou alguma coisa diferente na “letra”.

- Ô Zé, ô Zé - foi chamando a atenção da figura interessante e rica que, no entanto, sem lhe dar atenção continuou a usar o vozeirão para anunciar o seu produto:

- Laranja amarelinha e doce que cura dor de dentes na hora. Laranja mel, laranja do céu.

A impressão que ele teve é que o Zé Gostoso nem notou a sua presença, apesar de ter-lhe feito uma pergunta direta.

O Zé Gostoso virou a esquina e saiu do campo visual dele. Sentou-se num dos bancos e de mão segurando o queixo começou a pensar.

º º º Engraçado, o Zé Gostoso nem me deu pelota. Agora é que estou percebendo aquele olhar dele que parecia enxergar longe.  Era porque estava olhando através de mim, como se eu não estivesse ali na sua frente, engraçado.

Ficou dando tratos aos seus pensamentos e não notou que, o esbranquiçado do ar, dava ao Calçadão um aspecto de paz. Olhou para os bancos procurando os seus amigos que costumeiramente estão por ali sentados olhando as modas e não viu ninguém e se deu conta que apenas ele e mais ninguém estava lá no calçadão. Bem, o Zé Gostoso era alguém e ele passara por ali. Estava olhando para o lado da praça quando ouviu novamente a voz forte do Zé Gostoso que, dobrou a esquina da Júlio Mesquita e veio andando em sua direção.

- Laranja amarelinha e doce que cura dor de dentes na hora. Laranja mel, laranja do céu.

Deu um salto pondo-se de pé e, desta vez, disposto a parar a figura ímpar para conversar com ela. Colocou-se à frente do vendedor de laranjas e este passou por dentro dele sem sequer perceber a sua presença. As suas pernas tremeram e ele pensou o pior: º º º Tô morto!

Nisso, por obra de algum milagre, à sua frente um redemoinho se fez e uma imagem de dentro dele falou-lhe:

- Meu amigo. Quantas e quantas vezes esta alma pura, vendendo laranjas passou por você sem que se dignasse a lançar um olhar, mesmo de curiosidade em sua direção. Esta alma pura andou por todos os cantos desta cidade, dando exemplos de humildade e de participação, não rejeitando nunca o trabalho que destinavam a ela. O seu bate papo era de um homem sem cultura, mas de um espírito de muita luz. Sempre tinha, para todos um sorriso, um gesto, uma gentileza. Assim é a vida meu amigo, Deus coloca ao alcance de todos a sua brandura, muitas vezes representada pelas almas boas como a do Zé Gostoso e nós de cima de nossa pretensa sabedoria, deixamos de olhar. Passa o tempo e quando olhamos para trás, vemos as belezas que deixamos de desfrutar porque não paramos para levantar os olhos para prestar atenção nos nossos companheiros de viagem sobre a terra.

- Laranja amarelinha e doce que cura dor de dentes na hora. Laranja mel, laranja do céu.

- Zé Gostoso, Zé Gostoso!

- Agora eu estou vendo o senhor, em que posso ser útil?

- Por favor, deixe-me dar um abraço e agradecer-lhe pela grande lição. Muito obrigado. De agora em diante vou  dar mais atenção a todos.

- Isto mesmo senhor, agora sim o senhor merece saborear uma laranja do céu.

O senhor acordou e sentiu na sua boca o gosto de uma laranja como nunca tinha experimentado igual, doce como o mel, uma laranja do Céu.

 

 

 

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