sexta-feira, 12 de abril de 2013

A força dos que querem fazer


O ararense caminhava apressadamente e o solado de couro do seu sapato bem engraxado, batendo no cimento da calçada fazia ressoar alto o toc-toc. Tão alto que as pessoas que passavam ao seu lado olhavam curiosos.

A avenida Paulista, naquela hora da manhã, com o sol das 9 horas, estava cheia de carros nas ruas e muita gente apressada nas calçadas.

Procurando sentir a sua carteira no bolso de trás, disfarçava o seu nervosismo e pensava:

º º º Por que será que me olham tanto? Será que já perceberam que eu sou do interior?

O paulistano tinha  fama de tudo menos de vidente e, com certeza, ele não estava com a sua procedência escrita na testa.

Andou mais uns três quarteirões e chegou a hora de atravessar a avenida. Sentiu um frio na barriga ao parar na guia da calçada. O semáforo estava a uns 50 metros à frente, mas atravessar a avenida ali ia adiantar pelo menos 100 metros de caminhada. Como não tinha com quem falar no meio daquela multidão, começou a pensar, novamente:

º º º Será que era verdade, o que aquele seu amigo de Araras havia dito? Não acredito que a quantidade de ararense atropelados em São Paulo seja muito alta. Aliás, lá em Araras, por exemplo, eu só tive que pular umas três vezes para não ser atropelado, na rua de maior movimento, a rua Tiradentes. Claro que, naquele dia, eu tinha uma desculpa. Discuti com o patrão e acabei perdendo o emprego. Bom, de qualquer forma, eu vou atravessar no farol e ficar com a consciência tranqüila.

Caminhou mais os 50 metros, parou com ar de doutor sabe tudo e esperou que o farol ficasse verde.

O farol ficou amarelo, ele arrumou o paletó e gravata. O farol ficou verde, ele não perdeu tempo e deu um passo já no leito do avenida e teve que bancar artista de circo para não ser atropelado pela perua, cujo motorista, distraído, avançou o sinal.

Ele jogou o corpo para trás, e com as suas costas atingiu dois outros indivíduos que vinham logo atrás dele e aconteceu o efeito dominó.

Caíram umas seis pessoas além dele e, inclusive, uma mulher grávida. Ele não tivera culpa, mas uns dois ou três envolvidos no acidente, resolveram xingá-lo, e, os outros, enalteceram a figura da mãe do motorista da perua.

Teve que esperar mais três longos minutos até que o sinal ficasse verde outra vez. E, desta vez, antes de dar o passo, olhou para um lado, olhou para o outro lado e só depois disso atravessou a avenida, quase que correndo.

O prédio da FIESP, uma obra de arte da arquitetura brasileira, já estava a vista e ele estimulado pela visão do seu destino, apressou, ainda mais, os passos.

Enquanto caminhava voltou a pensar:

º º º Nem sei se vou ser recebido por algum diretor de importância, mas, sem emprego e sem perspectiva de encontrar um para poder viver dignamente, por nada perderia a oportunidade de tentar sensibilizar os todos poderosos empresários e, de repente, quem sabe a minha determinação não ajude a minha cidade a ter mais uma indústria.

º º  º A monocultura da cana de açúcar, que já rendeu tantos dividendos para os ararenses, inclusive, permitindo que Araras fosse por várias vezes a cidade de maior progresso no Brasil, com o final do programa de incentivo à produção e uso do álcool como combustível, está precisando de uma ajuda importante para permitir que o progresso não fique parado.

º º º A globalização da economia, um novo desafio para os brasileiros vencerem, só poderá ser vencido se os municípios tiverem, cada um deles, uma industrialização que possa oferecer empregos aos seus filhos e com os impostos recolhidos a cidade possa sustentar-se.

º º º É certo que muitas industrias instalaram-se na minha terra, mas é preciso muito mais. Eu acho que vai ser muito difícil, pois todas as outras cidades estão correndo atrás.

º º º Um outro negócio que poderia aliviar para Araras esta pressão da concorrência com as outras cidades, seria a instalação de um programa arrojado de incentivo ao turismo, acompanhado, é claro, de obras para dotar a cidade de infra-estrutura.

º º º Acho que não é só a Prefeitura que tem que ver estas coisas, e, aliás, ela deveria nomear uma comissão de alto nível para analisar os problemas desta questão que é muito complexa. Empresários, sindicalistas, operários, profissionais liberais e outros comporiam esta comissão.

E lá ia o ararense, esbarrando num e noutro paulistano, certo de que ia ter sucesso na sua empreitada para conseguir uma indústria para Araras.

º º º O certo era arrumar uma siderúrgica, que apesar da poluição, criaria a necessidade de outras empresas. Mas a cidade não tem minério de ferro. O Ito quebraria o galho com o seu depósito de ferro velho.

Pensou isto e precisou curvar-se para rir. As pessoas apressadas olharam para ele pensando que estava insano. Ele nem se importou.

Deu mais uns trinta passos e escutou uma batida e barulho de freios. Olhou para trás a tempo de ver o Opala velho desgovernado vindo para cima dele.

Morreu e sua nobre intenção não realizou-se.

Acordou espírito no mundo invisível e aquela vontade de ajudar a cidade ainda estava presente. Era aniversário da cidade e se tem presente que todas as cidades gostam, é uma indústria, que dê empregos para os seus filhos e que recolham o imposto direitinho.

Percebeu a presença de um senhor simpático sentado numa cadeira e assustou-se.

- Calma. disse o homem. - Você está entre amigos. Este seu desejo de presentear a sua cidade já não tem mais importância. Esses anos em que você ficou inconsciente nós cuidamos disso.

- Olha a relação de indústrias que estão instaladas lá em Araras:

1 Siderúrgica

1 Montadora de Automóveis

1 Fábrica de Televisão

1 Fábrica de Cerveja e Refrigerantes

1 Fábrica de Materiais Esportivos

1 Fábrica de Componentes Eletrônicos e de Computador

Além disso, a Usina de Reciclagem de Lixo, é a maior fornecedora de adubo orgânico da região.

O ararense, deixou acender em seu rosto a luz da felicidade e foi encaminhado para uma nova reencarnação, numa outra cidade necessitada do Estado. Só não se sabe se no Estado de São Paulo. 

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