sábado, 11 de agosto de 2007

Aqueles olhos azuis



Numa manhã ensolarada ele partiu.
A morte venceu graças a teimosia dele em sair da vida.
Perdera a companheira que amou com insuspeita intensidade e perdeu, também, a razão de viver.
Mesmo assim, viveu 84 anos. Poderia ter chegado ao centenário, ou mais.
Perdemos eu e meus irmãos um homem em quem podíamos confiar.
Hoje analisando a sua trajetória, chegamos à conclusão de que ele veio ao mundo para servir.
O destino quis que, mesmo vindo para servir, as suas vivências fossem sofridas. Atormentou-o sobremaneira, até a sua morte, o defeito físico.
Era, por isso, um coração triste, mas sempre alerta para as necessidades da família e de seus amigos, aos quais dedicou incrível devoção.
Lembro-me que, pequeno, tinha respeito e medo do seu rigor, mas confortava-me saber que sempre que precisava ele comparecia, ao seu modo, mas sempre comparecia.
Na meninice minha e dos meus irmãos, atravessada com dificuldades que uma família com 8 filhos enfrenta, sem TV e outros eletrônicos, brincávamos com todos os meninos da nossa rua e adjacências. Meninos de variados costumes. Uns bons, outros maus. A disciplina que meu pai impunha, com certeza, norteou todos nós para uma vida adulta, graças a Deus, de homens úteis.
Ele era bravo e minha mãe, enquanto viveu, tranqüila e envolvente, com a mão no leme, fez a vida dos dois navegar por mares, às vezes bravios, na direção da paz.
Creio até, que sem ela para medir as suas ações, ele tenha se sentido perdido, nesta vida difícil cheia de confrontos.
Meu pai era um homem de alma pura, cuja palavra valia mais que qualquer contrato assinado.
Já adulto consegui os melhores momentos de papos com ele.
Gostava do São Paulo e do Comercial e seu paladar apurado não dispensava o arroz que minha mãe, com tanto carinho, fazia para ele.
Dias após a sua morte, em reunião, todos nós tínhamos história de broncas dele para contar, mas todos os presentes, unanimemente, reconheceram o grande amor que ele nos dedicara e, que sempre representara a unidade familiar.
Poucos dias atrás, véspera dos dias dos pais, bateu em mim uma saudade imensa.
De todos os “pitos” e de todas as alegrias que remoeram-me por dentro, lembrei-me, aliás vi, claramente na minha frente, os seus lindos e expressivos olhos azuis.
Olhos azuis vivos, inteligentes e, principalmente, amorosos.
De todos os momentos de nossas vidas, do meu pai, da minha mãe e de meus irmãos, traduzidas por dias duros, de trabalho, de inseguranças, de decisões, caso fossem analisados separadamente e sem o critério da compreensão, poderiam ser momentos esquecidos.
Mas não, nossas vidas juntas valeram a pena. Meu pai bravo amou, nós seus filhos traquinas amamos e minha mãe tranqüila amou.
O amor sobrevive a tudo e a todos.

2 comentários:

Patricia G. Eliseu disse...

É lindo !!!

Anônimo disse...

Não importa o tempo que as pessoas passem ao nosso lado, o que importa na minha opinião é os valores que elas transmitem a nós.
Com certeza esses valores nos farão crescer moralmente e espiritualmente.