domingo, 7 de outubro de 2007

A rosa vermelha espia por cima do muro


A chuva da noite ainda era presente nas pétalas da linda Rosa Vermelha.

As gotículas refletiam, naquela manhã, o sol tímido que começava a rasgar as esparsas nuvens escuras que, apressadas, corriam atrás da nuvem maior que seguia relampejando lá no horizonte.

Como se fosse a rapariga acostumada a ficar de braços cruzados na janela da frente, a Rosa Vermelha, espiava a rua por cima do muro, naquela hora com o movimento dos carros que saiam fumegando das garagens e se preparavam para levar os seus donos para o trabalho.

—Veja a Rosa Vermelha, não é linda? Parece que ela está montando guarda na frente de nossa casa.
A mulher mais observadora retrucou:
— Parece mais que ela esta espiando a rua.

O homem acostumado às observações da esposa, abrindo a porta do carro, começou a pensar:

°°°Se ela passou a noite toda espiando deve ter visto tudo o que se passou. Se ela soubesse falar quanto não teria a dizer?

Lembrou-se dos jovens, que iam e vinham passando defronte ao muro de onde espiava a Rosa Vermelha.

°°°Será que ela viu os cigarros de maconha que eles fumavam.

°°°Sou capaz de apostar que ela deve ter tapado o nariz para não sentir aquele cheiro de estrume queimado.

°°°Será que ela viu as caras daqueles, ainda, meninos servindo de moldura para os olhos vermelhos, arregalados, mas sem nada verem.

°°°Será que ela viu, por dentro da cabeça daqueles homens de amanhã, o vazio de ideais e de moralidade.

°°°Será que ela viu ou percebeu as energias negativas da omissão dos pais, dos vizinhos e do próprio bairro, acompanhando, como uma nuvem negra aqueles mocinhos.

°°°Será que ela viu a preocupação dos anjos de guarda, rechaçados, esperando que alguma luz se fizesse dentro daquelas carnes que começavam a apodrecer, para poderem agir.

°°°Será que ela pensou na falta de vontade política para pôr fim àquela vergonha.

°°°Será que ela viu os homens encarregados de combater o tráfico daquela morte lenta olharem... olharem... e não enxergarem o que todas as outras pessoas enxergam

Em direção ao trabalho, ouvindo a música suave no rádio do carro, continuou a pensar:

°°°Engraçado a Rosa Vermelha ontem não estava lá e hoje vestida com o seu melhor vestido refletia nas gotas, que a enfeitavam, a luz do astro rei.

°°°A vida é um inexorável caminhar em direção à morte e à vida.

°°°A Rosa Vermelha, por certo, sabia muito bem disso. Ela própria estava sujeita a esta lei. Nascer, Viver, Morrer, Renascer.

Não sabia dizer se a Rosa Vermelha, como ele, acreditava na vida após a morte e na reencarnação.

Sentiu um nó na garganta ao lembrar-se que todos aqueles meninos, que estavam apressando o fim de suas vidas, numa outra encarnação, por certo, haveriam de passar momentos de extrema delicadeza para saldarem suas dividas pelo crime contra a lei da vida. Estavam abreviando as suas vidas e no futuro, numa outra encarnação, teriam que repetir as lições e aprenderem as novas sem as mesmas facilidades de agora.

A imagem da Rosa Vermelha se avantajou na sua mente e numa bela mágica falou:

— Se eles vão sofrer imagine aqueles que tentaram e permitiram que os meninos se drogassem.

É mesmo! Todos eles vão ter que pagar tim tim por tim tim as suas más tendências, convertidas em atos contra as Leis de Deus.

A Rosa Vermelha, outra vez, avivou-se na mente dele e disse:

— Lembre-se que a misericórdia de Deus é muito grande e ele não condena, eternamente, nenhum de seus maus filhos, a todos ele oferece a oportunidade de se redimirem, porém, os ventos semeados inconseqüentemente, serão obrigatoriamente colhidos, às vezes, como vendavais. Assim, os que contribuem para a perdição destes nossos filhos, vão ter que lutar com a perdição. Será uma luta, com certeza, com muito sofrimento.

Chegou ao seu lugar de trabalho, parou o carro, desligou o motor e ficou parado, olhando através do pára brisa sem nada ver.

A sua mente encheu-se de imagens.

°°°Quantas e quantas vezes tinha visto o menino caído no meio fio com o saquinho de cola na mão. Será que as outras pessoas não haviam visto aquela cena. Será que a cidade cujos olhos detalhistas para as modas e divertimentos não estava vendo a perdição à sua frente. Será que a grande quantidade de crak apreendida, não estava mostrando à bela cidade que o seu meio estava sendo sujeitado pelos emissários da desgraça. Resolveu então, naquilo que acreditava ser a sua melhor contribuição naquele momento, fazer uma oração:

Senhor. Não quero prolongar-me nesta oração. A Rosa Vermelha que viu tudo me contou e eu peço neste momento que através da sua misericórdia envie à minha cidade as energias necessárias para que todos os seus moradores se transformem em guardiões da vida. Onde houver tentação que eles possam afastá-la com a razão.
A razão do Pai mostrando o caminho ao filho;
A razão do professor que ensina o aluno a vencer pelo saber;
A razão dos políticos que devem lutar por aquilo que é melhor para todos;
A razão da polícia que deve agir quando todos os outros métodos falharam;
A razão da mãe que é o Seu amor aqui na terra;
A razão de todos que ajudam no avanço da moralidade humana, independentemente, de credo, raça ou cor.
Senhor, acima de tudo, porém, peço-Lhe que não nos deixe continuarmos na omissão.
Amém.

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